Nem ajuntamento de pessoas era, tampouco grupo de pesquisa. No começo não era nada a não ser uma pasta com poucas anotações. Isso foi pelos idos de 1995, quando retornava do curso de doutorado e buscava pessoas interessadas em estudar temas relacionados à cidade, primeiro do ponto de vista mais teórico e depois fazendo pesquisas de campo especialmente na cidade de Manaus. A intenção era discutir teoricamente a cidade a partir de Henri Lefrebvre; não deu muito certo: faltavam pessoas interessadas em Lefevbre e nas cidades. Predominava o interesse em estudar a Amazônia a partir da natureza; era como se as cidades não tivessem importância embora quase 70% da população da região morasse nos núcleos urbanos.
Contraditoriamente, o primeiro projeto de pesquisa foi financiado no âmbito de LBA graças ao convite formulado pela professora Bertha Becker que coordenou o projeto Ciências Humanas na Amazônia. Até então, eram os projetos de Iniciação Científica e as orientações de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais que se constituíam nas pesquisas do projeto de grupo. Em seguida, conseguimos financiamento da Secretaria de Cultura para uma pesquisa sobre a cidade de Manaus de 1920 a 1967, cujo resultado foi publicado em livro. O primeiro projeto financiado por agência de pesquisa foi no Universal do CNPq para estudarmos moradia em Manaus; na verdade havia apenas a chancela do CNPq, o financiamento foi algo como R$ 1.800,00. Três anos depois, outro Universal, agora com a participação do professor Geraldo Alves e uma tentativa de buscar parcerias com pessoas que se interessavam pelo tema e envolvemos professores da Ulbra do curso de Arquitetura. Aí já nos constituíamos em grupo com os meus alunos e os alunos do Geraldo. Em 2001, quando o CNPq fez o censo dos grupos, entendemos que já era o momento de passarmos a existir de direito, pois que de fato já tínhamos alguns resultados e inserimos na plataforma do CNPq com o nome de GPECAB. No período, estava fazendo estágio na França e o professor Geraldo foi o responsável pela inserção do grupo na plataforma do CNPq. A partir desse período, teve maior dinamicidade e continuamente tínhamos projetos financiados. A realização do IX Simpurb em Manaus, em 2005, foi sem dúvida um marco importante pelo envolvimento de muitos estudantes e porque tivemos maior visibilidade nacional. Com a chegada da professora Tatiana Schor, no final de 2006, ampliamos as nossas ações, conquistamos um espaço e resolvemos ampliar o grupo para outras universidades, primeiro com a UEA e em seguida com Roraima. Além disso, buscou-se estabelecer outros tipos de ação, como financiamento do Ministério das Cidades para curso de formação para agentes municipais, intercâmbio com outras universidades, especialmente Unesp de Prudente, UFU e a Universidade de Miami. A abertura para outras ações nos colocou a necessidade de ampliação de grupo para núcleo, o que ocorreu em 2008.
O que me parece ser as virtudes do nosso grupo: a primeira é juntar pessoas para formá-las visando desvendar as especificidades das cidades da Amazônia, tendo claro que assim como existe a biodiversidade na Amazônia há também aquilo que o professor Sant Clair da Trindade Jr. expressou tão bem como urbano diversidade na Amazônia. O que queremos é contribuir para compreender uma parte dessas cidades na Amazônia, bem representadas pelas cidades estudadas no Projeto Calha situadas nas margens dos rios e a cidade de Manaus. Para essa tarefa é preciso formar pessoas e formá-las bem. A segunda é não termos medo de ousar e por isso cometemos erros. Quando estudamos as cidades amazônicas não fazemos na perspectiva apenas da inércia, há outro lado que também deve ser considerado para compreender a sua dinamicidade. Nas últimas décadas do século 20 e na primeira do 21, que se finda, a vida nas cidades da Amazônia mudou de modo significativo. Mesmo nas pequenas cidades, em pouco mais de uma geração, as informações tornaram-se mais ágeis, pois os lugares foram atingidos por técnicas que possibilitaram maior circulação de ideias e o acesso à modernização. Reconhecer isso não significa identificar que as pequenas cidades não conseguem atender às várias necessidades básicas que geram. Apesar disso, é preciso não as ver na perspectiva do diagnóstico da carência visando buscar alternativas teóricas e metodológicas para melhor compreendê-las. Nesse ponto de vista, importante compreender que as estruturas e as dimensões socioespaciais na Amazônia, hoje, são compartilhadas de modo diferente ao que era até a década de 70 do século 20. Novos sujeitos (indígenas, movimentos sociais, empresas, forças armadas, ONGs, ambientalistas e mídia etc.) produzem espacialidades diversas e articulam as estruturas preexistentes quase sempre locais às dimensões globais. No curso dessa articulação, o poder se dilui entre os vários sujeitos: grupos de indivíduos, minorias étnicas, pacifistas, instituições que não se articulam apenas ao Estado nacional, mas a maioria das vezes atinge grau de relações supranacionais.
Como articulamos do ponto de vista geográfico nossas ações?
Um problema que nos coloca é de base metodológica, qual seja de que modo estudar as cidades amazônicas. Tal preocupação decorre do entendimento de que a complexidade de compreensão das cidades amazônicas está na dificuldade de se estabelecer uma correta e coerente problematização da realidade e, a partir disso, construir um objeto de investigação que analise, do ponto de vista geográfico, a articulação dos processos ecológicos e com os processos culturais. O desafio, portanto, consiste em compreender como as relações socioespaciais decorrentes das estruturas sociais e produtivas são formuladas sob a óptica teórico-conceitual, levando em consideração a natureza.
A imagem de natureza, que conduziu boa parte da discussão teórica e que por seu turno norteou a política ambiental até bem recentemente, foi construída tendo sempre embutida a ideia de domínio do homem sobre a natureza, predominando a visão que oscila de um lado como ambiente hostil oposto à civilização que precisa ser desbravado e de outro lugar paradisíaco, um lugar de retorno. A nostalgia ecológica aparece como conveniente para acertos segmentos de classes, materializada num naturalismo cristianizado, onde está implícita a unidade homem x natureza.
O que surge como um novo elemento-chave no processo de compreensão da problemática ambiental é que as análises acerca do ambiente têm de levar em conta o espaço como a categoria fundamental para a compreensão das formas pelas quais as relações societárias produzem e reproduzem a natureza, ou seja, produzem e reproduzem o espaço.
É isso que caracteriza nossas pesquisas e as discussões com outros colegas que estudam cidades na Amazônia nos apontam caminhos que tem a ver com os desafios de nosso agora: Podemos estabelecer estudos sobre cidades na Amazônia em rede de pesquisas; teremos um novo encontro marcado, para quando, para onde?
Contraditoriamente, o primeiro projeto de pesquisa foi financiado no âmbito de LBA graças ao convite formulado pela professora Bertha Becker que coordenou o projeto Ciências Humanas na Amazônia. Até então, eram os projetos de Iniciação Científica e as orientações de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais que se constituíam nas pesquisas do projeto de grupo. Em seguida, conseguimos financiamento da Secretaria de Cultura para uma pesquisa sobre a cidade de Manaus de 1920 a 1967, cujo resultado foi publicado em livro. O primeiro projeto financiado por agência de pesquisa foi no Universal do CNPq para estudarmos moradia em Manaus; na verdade havia apenas a chancela do CNPq, o financiamento foi algo como R$ 1.800,00. Três anos depois, outro Universal, agora com a participação do professor Geraldo Alves e uma tentativa de buscar parcerias com pessoas que se interessavam pelo tema e envolvemos professores da Ulbra do curso de Arquitetura. Aí já nos constituíamos em grupo com os meus alunos e os alunos do Geraldo. Em 2001, quando o CNPq fez o censo dos grupos, entendemos que já era o momento de passarmos a existir de direito, pois que de fato já tínhamos alguns resultados e inserimos na plataforma do CNPq com o nome de GPECAB. No período, estava fazendo estágio na França e o professor Geraldo foi o responsável pela inserção do grupo na plataforma do CNPq. A partir desse período, teve maior dinamicidade e continuamente tínhamos projetos financiados. A realização do IX Simpurb em Manaus, em 2005, foi sem dúvida um marco importante pelo envolvimento de muitos estudantes e porque tivemos maior visibilidade nacional. Com a chegada da professora Tatiana Schor, no final de 2006, ampliamos as nossas ações, conquistamos um espaço e resolvemos ampliar o grupo para outras universidades, primeiro com a UEA e em seguida com Roraima. Além disso, buscou-se estabelecer outros tipos de ação, como financiamento do Ministério das Cidades para curso de formação para agentes municipais, intercâmbio com outras universidades, especialmente Unesp de Prudente, UFU e a Universidade de Miami. A abertura para outras ações nos colocou a necessidade de ampliação de grupo para núcleo, o que ocorreu em 2008.
O que me parece ser as virtudes do nosso grupo: a primeira é juntar pessoas para formá-las visando desvendar as especificidades das cidades da Amazônia, tendo claro que assim como existe a biodiversidade na Amazônia há também aquilo que o professor Sant Clair da Trindade Jr. expressou tão bem como urbano diversidade na Amazônia. O que queremos é contribuir para compreender uma parte dessas cidades na Amazônia, bem representadas pelas cidades estudadas no Projeto Calha situadas nas margens dos rios e a cidade de Manaus. Para essa tarefa é preciso formar pessoas e formá-las bem. A segunda é não termos medo de ousar e por isso cometemos erros. Quando estudamos as cidades amazônicas não fazemos na perspectiva apenas da inércia, há outro lado que também deve ser considerado para compreender a sua dinamicidade. Nas últimas décadas do século 20 e na primeira do 21, que se finda, a vida nas cidades da Amazônia mudou de modo significativo. Mesmo nas pequenas cidades, em pouco mais de uma geração, as informações tornaram-se mais ágeis, pois os lugares foram atingidos por técnicas que possibilitaram maior circulação de ideias e o acesso à modernização. Reconhecer isso não significa identificar que as pequenas cidades não conseguem atender às várias necessidades básicas que geram. Apesar disso, é preciso não as ver na perspectiva do diagnóstico da carência visando buscar alternativas teóricas e metodológicas para melhor compreendê-las. Nesse ponto de vista, importante compreender que as estruturas e as dimensões socioespaciais na Amazônia, hoje, são compartilhadas de modo diferente ao que era até a década de 70 do século 20. Novos sujeitos (indígenas, movimentos sociais, empresas, forças armadas, ONGs, ambientalistas e mídia etc.) produzem espacialidades diversas e articulam as estruturas preexistentes quase sempre locais às dimensões globais. No curso dessa articulação, o poder se dilui entre os vários sujeitos: grupos de indivíduos, minorias étnicas, pacifistas, instituições que não se articulam apenas ao Estado nacional, mas a maioria das vezes atinge grau de relações supranacionais.
Como articulamos do ponto de vista geográfico nossas ações?
Um problema que nos coloca é de base metodológica, qual seja de que modo estudar as cidades amazônicas. Tal preocupação decorre do entendimento de que a complexidade de compreensão das cidades amazônicas está na dificuldade de se estabelecer uma correta e coerente problematização da realidade e, a partir disso, construir um objeto de investigação que analise, do ponto de vista geográfico, a articulação dos processos ecológicos e com os processos culturais. O desafio, portanto, consiste em compreender como as relações socioespaciais decorrentes das estruturas sociais e produtivas são formuladas sob a óptica teórico-conceitual, levando em consideração a natureza.
A imagem de natureza, que conduziu boa parte da discussão teórica e que por seu turno norteou a política ambiental até bem recentemente, foi construída tendo sempre embutida a ideia de domínio do homem sobre a natureza, predominando a visão que oscila de um lado como ambiente hostil oposto à civilização que precisa ser desbravado e de outro lugar paradisíaco, um lugar de retorno. A nostalgia ecológica aparece como conveniente para acertos segmentos de classes, materializada num naturalismo cristianizado, onde está implícita a unidade homem x natureza.
O que surge como um novo elemento-chave no processo de compreensão da problemática ambiental é que as análises acerca do ambiente têm de levar em conta o espaço como a categoria fundamental para a compreensão das formas pelas quais as relações societárias produzem e reproduzem a natureza, ou seja, produzem e reproduzem o espaço.
É isso que caracteriza nossas pesquisas e as discussões com outros colegas que estudam cidades na Amazônia nos apontam caminhos que tem a ver com os desafios de nosso agora: Podemos estabelecer estudos sobre cidades na Amazônia em rede de pesquisas; teremos um novo encontro marcado, para quando, para onde?
Notas
*Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Titular do Departamento de Geografia, do Programa de Pós-graduação em Geografia e pesquisador do Núcleo de Estudos e pesquisas de Cidades da Amazônia Brasileira (NEPECAB) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Cidades na Amazônia Brasileira, 2011. pp.165-167.NEPECAB - UM POUCO ANTES E NO NOSSO AGORA
*Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Titular do Departamento de Geografia, do Programa de Pós-graduação em Geografia e pesquisador do Núcleo de Estudos e pesquisas de Cidades da Amazônia Brasileira (NEPECAB) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Cidades na Amazônia Brasileira, 2011. pp.165-167.NEPECAB - UM POUCO ANTES E NO NOSSO AGORA